• O projeto Cobertores surgiu das minhas caminhadas pelas ruas de SP como uma maneira de vivenciar a cidade . Num desses dias encontrei um objeto que chamou minha atenção: um arranjo enrolado de manta no chão. A manta possuía uma forma ambígua ora parecia um corpo humano, ora uma trouxa de roupas. Essa ambigüidade do objeto me interessou. A partir de então, resolvi documentar com minha câmera fotográfica cobertores encontrados nas ruas de SP. Estava interessada na apropriação e transformação do objeto que já existia entre a esfera pública e privada na cidade.
    
    Durante esses trajetos, quando encontro um objeto, uma narrativa é construída no imaginário como a história daquele objeto e as impressões que as pessoas deixaram nele. Nesse momento o objeto já havia sido transformado pelo tempo ou intervenção humana.
    Pensando o cobertor como um objeto de abrigo, de uma “casa própria” e resgatando as obras de fotografias que faço desde 2001 onde os elementos da arquitetura estão sempre presentes. A partir da documentação fotográfica senti a necessidade de expandir o trabalho para o objeto e fazer uma intervenção pública na cidade. A Intervenção ocorreu em dois dias no vale do Anhangabaú em São Paulo/2009.
    Durante esses dias surpresas ocorreram como o fracasso de fazer uma intervenção pública na cidade de São Paulo sem autorização prévia das autoridades locais, encontros com moradores de ruas que me contaram um pouco sobre como é morar na rua além da experiência de trabalhar no espaço público que é uma relação diferente do cubo branco.
    Como a intervenção pública é uma experiência efêmera   documento todo o processo  como forma de registro da ação,  resultado, arquivo e trabalho.
    No meu ponto de vista, a experiência da intervenção pública mais que o trabalho em si é muito interessante pois você lida com imprevistos, contingências, surpresas, fracassos, reações de pessoas e histórias. O resultado é sempre diferente do que o esperado. Uma das histórias mais interessantes que ouvi foi uma moradora de rua que vivia na rua há mais de vinte anos. No dia em que eu estava filmando a intervenção ela se virou e me falou: "você está vendo aí", Josefa estava se referindo aos "corpos" (cobertores), "eles estão todos mortos de AIDS. O centro de SP é  cheio de moradores de rua morrendo de AIDS e viciados em crack ". Eu conversei com ela sobre como era viver na rua e perguntei a sra. Josefa se tinha vontade de ter uma casa. Ela me falou direta e reta  "Eu gosto de viver na rua". Isso me intrigou por um bom tempo, me questionava como e porque isso ? Na grande maioria do imaginário coletivo, as pessoas sonham em ter uma casa. Josefa trabalhou como faxineira do metrô por 15 anos, vivia na rua e disse que nunca ninguém desconfiou, costumava ir e voltar todos os dias e dormia na frente de um restaurante por muitos anos. Durante os dias de intervenção no anhangabaú eu tive contatos com diversos moradores de ruas e algumas histórias foram surpreendentes.
    O fascínio da pesquisa surgiu pelo objeto e mais tarde acabou inevitavelmente esbarrando num problema social.
    Os objetos são equipamentos coletivos que estão disponíveis para o uso de todos, são uma ferramenta democrática para apropriação. Meu fascínio reside nos objetos da vida cotidiana as vezes em oposição ao seu campo de aplicação. Deste modo, dá uma nova função e relação entre objeto e  espaço e entre seus receptores.